Criação de Avatares sem proteção pelo Direito Autoral no México

A Suprema Corte de Justiça da Nação do México (SCJN), que é o órgão máximo da justiça naquele país, tomou uma decisão muito importante e exemplar sobre um tema atual e de grande impacto para negócios e tecnologia: a proteção legal de criações feitas por inteligência artificial (IA).

Em uma ação que chegou até última instância e que ganhou grande repercussão na mídia mexicana, a corte decidiu, de forma unânime, que imagens ou avatares criados exclusivamente por sistemas de Inteligência Artificial Generativa não podem ser protegidos como obras autorais.

Isso significa que, para o órgão judicial mexicano, o direito autoral que é o conjunto de regras que garante ao criador de uma obra intelectual o reconhecimento e a exclusividade sobre ela, não se aplica a criações de IA que foram geradas automaticamente, sem a intervenção criativa significativa de um ser humano.

No caso específico, foi rejeitado o pedido de registro de direitos autorais feito por Gerald García Báez tentando proteger um avatar que foi produzido por um programa de inteligência artificial.

O entendimento da corte mexicana reforça a ideia de que a criatividade atribuída à IA não é suficiente para conceder direitos de autor, e que as leis de propriedade intelectual devem continuar protegendo exclusivamente as criações humanas.

Essa decisão é paradigmática porque indica claramente os limites legais atuais para a proteção de conteúdos produzidos por IA, impactando diretamente estratégias corporativas que envolvem o uso dessas tecnologias, principalmente no que diz respeito à titularidade, licenciamento e exploração comercial dessas criações.

O CASO JURÍDICO EM QUESTÃO

No caso em questão, autor Gerald García Báez buscou registrar legalmente a imagem de um avatar que foi criado com o auxílio de um software de Inteligência Artificial chamado Leonardo AI. No entanto, seu pedido foi recusado pelo Instituto Nacional de Direito de Autor do México (INDAUTOR), o órgão responsável por conceder esse tipo de proteção.

O autor Gerald Báez argumentou que, embora ele próprio não tenha desenhado diretamente o avatar, já que a criação foi gerada digitalmente pela IA, ele teve um papel ativo e significativo no processo criativo.

Isso inclui a escolha das fotografias que funcionaram como base para a geração da imagem, a elaboração cuidadosa dos “prompts”, ou seja, as instruções específicas e detalhadas que foram inseridas no programa para guiar a criação, além da seleção da melhor versão entre os diversos modelos oferecidos pela plataforma.

Ao ter seu pedido negado pelo INDAUTOR, Garcia Báez recorreu ao sistema judicial, fundamentando sua ação nos artigos 12 e 18 da Lei Federal de Direito de Autor mexicana. Ele sustentou que o avatar final resultante deveria ser considerado uma obra protegida, pois reflete sua vontade, criatividade e contribuição subjetiva enquanto ser humano, mesmo que a execução técnica tenha sido feita pela inteligência artificial.

Essa controvérsia traz à tona uma discussão central sobre até que ponto a intervenção humana nesses processos auxiliados por IA pode ser considerada efetivamente criativa para fins de proteção legal.

Para as empresas, é fundamental entender esse limite, pois grande parte do conteúdo digital contemporâneo é produzido com tecnologias similares, e a definição clara dos direitos de autoria influencia diretamente investimentos, propriedade intelectual e estratégias comerciais envolvendo criações digitais e inovação tecnológica.

DECISÃO DA SUPREMA CORTE MEXICANA

A Segunda Turma da Suprema Corte do México proferiu uma decisão crucial que estabelece um precedente importante para o uso de criações oriundas de inteligência artificial (IA) no campo da propriedade intelectual.

A corte esclareceu que obras que são totalmente geradas por sistemas de IA, sem uma intervenção humana significativa, não satisfazem os requisitos legais para que se reconheça titularidade autoral. Isso ocorre porque, diferentemente de humanos, sistemas de IA não têm consciência, vontade própria ou intencionalidade — aspectos fundamentais para a caracterização da autoria segundo a legislação vigente.

Além disso, a decisão enfatizou que, independentemente do valor artístico ou estético da obra produzida por IA, ela não pode ser enquadrada como uma “obra” nos termos da lei de direitos autorais, já que carece do elemento humano essencial que compõe a subjetividade e criatividade necessárias para proteção legal. Neste sentido o texto do julgado evidencia:

62. En la actualidad, el avance en la tecnología y la IA, han demostrado dar grandes pasos en su evolución, a fin de alcanzar “su objetivo último que es simular la inteligencia humana”. Pero en ningún caso podrá tener la experiencia, la percepción del entorno, ni los sentimientos del ser humano que dan como resultado una obra original o individual aunando a que la IA tampoco es consciente del trabajo que realizó, ni porqué lo efectuó o con qué objeto lo hizo, a diferencia de un ser humano, por tanto, es que este derecho a la protección de la autoría es intrínseco a la naturaleza humana, por lo cual la finalidad del derecho a la protección de la autoría es la protección del autor como persona física exclusivamente

Outro ponto relevante destacado na sentença é que produtos criados exclusivamente por inteligência artificial, sem a participação direta e substancial de uma pessoa física na etapa final da criação, não são passíveis de proteção por direitos autorais, não podendo ser cadastrados ou registrados como tais. Consequentemente, essas criações são automaticamente consideradas parte do domínio público, ou seja, livres para uso por qualquer pessoa sem restrições legais de autoria.

Para os negócios, essa decisão traz uma reflexão importante: embora a inteligência artificial possa acelerar e inovar processos criativos, a proteção legal das criações resultantes depende da presença efetiva da contribuição humana.

As empresas que investem em desenvolvimento de conteúdo digital e inovação tecnológica precisam estar atentas a essa distinção, pois a ausência de proteção intelectual pode impactar o controle exclusivo sobre ativos imateriais, afetando estratégias comerciais, valor de mercado e segurança competitiva.

Portanto, na gestão da inovação, é fundamental garantir a participação substancial do fator humano para assegurar a exclusividade e a proteção jurídica das criações desenvolvidas com o suporte de IA.

REPERCUSSÃO GERAL

A decisão da Suprema Corte do México possui repercussão geral relevante, tendo se tornado paradigma para um vasto segmento tecnológico, especialmente impactando desenvolvedores de conteúdo digital, designers e artistas que se valem de ferramentas digitais para criação em ambientes virtuais. Essa decisão, amplamente debatida na mídia, tem implicações diretas sobre a tutela dos direitos autorais em contextos contemporâneos marcados pela crescente utilização de inteligência artificial.

No voto da ministra relatora, Lemia Batres Guadarrama, ficou clara a premissa jurídica fundamental de que, embora as tecnologias possam atuar como facilitadoras ou automatizadoras do processo criativo, a titularidade dos direitos autorais deve recair exclusivamente sobre indivíduos humanos. E neste sentido estabelece:

53. El autor debe de ser una persona física. No puede ser un ente sintético o artificial. En este caso, la IA “LEONARDO”, esto porque el derecho a la protección de la autoría es el derecho de autor que va dirigido a las personas físicas, ya que son ellas por medio de su creatividad, experiencia, intelecto, emociones y el contexto de la persona física, que pueden crear una obra original. Por ende, sólo se reconoce a las personas físicas como autoras.

Ou seja, o núcleo do direito autoral permanece firmemente centrado na pessoa física como autor legítimo.

A Corte reafirmou a interpretação da legislação mexicana em vigor, sancionando que o direito autoral contém uma limitação explícita, segundo a qual apenas pessoas físicas podem ser reconhecidas como titulares dos direitos autorais. Essa orientação jurisprudencial encontra respaldo no posicionamento do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que também sustenta que a titularidade moral dos direitos é prerrogativa exclusiva do ser humano individual. Tudo como se extrai do próprio texto do julgado:

57. En este sentido, la Corte Interamericana de Derechos Humanos (CIDH) ha dispuesto que, dentro del concepto amplio de “bienes” cuyo uso y goce están protegidos por la Convención, también se encuentran incluidas las obras producto de la creación intelectual de una persona, quien, por el hecho de haber realizado esa creación adquiere sobre ésta derechos de autor conexos con el uso y goce de la misma.

Segundo esse entendimento, obras produzidas por inteligência artificial não se enquadram na proteção do direito autoral, pois a criação artística ou intelectual configura um ato intrinsecamente humano, conforme previsto no artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Em síntese, a decisão materializa a proteção dos direitos humanos do autor, principalmente no que tange à sua capacidade econômica de usufruir de sua obra, à salvaguarda de sua liberdade criativa, à integridade da obra e ao direito de ser reconhecido como seu criador legítimo. Portanto, nem mesmo comandos isolados fornecidos a sistemas automatizados, tampouco “prompts” utilizados para gerar conteúdos por IA, podem ser qualificados como atos criativos dotados de proteção autoral. Tal distinção reforça o caráter personalíssimo da autoria e delimita os contornos do que pode ser considerado objeto de tutela no âmbito do direito autoral.

ANÁLISE COMPARATIVA COM A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Considerando o ordenamento jurídico brasileiro e os fundamentos do direito autoral e da propriedade intelectual, a decisão da Suprema Corte de Justiça da Nação do México (SCJN), que rejeitou a concessão de proteção autoral a uma imagem criada por meio de Inteligência Artificial Generativa (IA), representa um posicionamento alinhado à concepção tradicional da tutela autoral, segundo a qual o direito autoral pressupõe a existência de uma obra intelectual resultante da criação humana dotada de originalidade e individualidade.

Conforme os princípios estabelecidos na legislação brasileira e em tratados internacionais incorporados ao ordenamento nacional, o direito autoral protege as criações intelectuais que sejam manifestações originais do intelecto humano, independentemente do seu gênero artístico ou científico.

A proteção recai sobre a expressão concreta da obra, abrangendo obras literárias, artísticas e científicas, e resguarda os direitos morais e patrimoniais do autor, conforme disposto no artigo 7º e seguintes da Lei de Direitos Autorais brasileira e nas garantias constitucionais dos arts. 5º, XXVII e 216 §1º da Constituição Federal  do Brasil.

A utilização de recursos tecnológicos, incluindo algoritmos de Inteligência Artificial, pode ser admitida como instrumento auxiliar no processo criativo, desde que o resultado final tenha a contribuição efetiva da atividade intelectual humana, garantindo, assim, a presença do requisito da autoria.

Entretanto, quando a criação decorre exclusivamente da automação da máquina, sem intervenção criativa do indivíduo, a ausência de autoria humana impede a concessão do direito autoral, visto que a lei protege a exclusividade da expressão oriunda da mente humana, não sendo possível conferir direitos exclusivos sobre mera produção mecânica ou automática.

Nesse contexto, a decisão da Suprema Corte mexicana, ao negar a proteção autoral a obras geradas integralmente por IA, coincidente com a visão jurídica brasileira, resguarda a integridade do sistema de proteção autoral, evitando a expansão indiscriminada do conceito de autoria a entes não humanos, o que poderia fragilizar a eficácia dos direitos exclusivos e introduzir insegurança jurídica.

Ressalte-se que o registro de obras protegidas pelo direito autoral não produz presunção absoluta de autoria, cabendo à instância administrativa ou judicial a verificação da titularidade e da efetiva criação intelectual humana envolvida.

 

A Suprema Corte de Justiça da Nação do México firmou entendimento no sentido de não atribuir proteção pelo direito autoral sobre os Avatares criados por meio de aplicativos de IA Generativa.

Marcos Wachowicz Autor
Publicado em 09/07/2025
Atualizado em 16/07/2025
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